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INFORMATIVO 28
01/06/2018

A Não Incidência de Contribuição Previdenciária Sobre o Terço Constitucional e a Nota  PGFN/CRJ/Nº 981/2017 – Interpretação Equivocada RE 565.160

O Supremo Tribunal Federal, em 29.3.2017 finalizou o julgamento do RE 565.160, da relatoria da Min. Marco Aurélio, que tratou do tema 20 da repercussão geral, fixando a seguinte tese: “A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional nº 20/1998”

 

O julgamento, que há anos era aguardado pelos contribuintes, e que dizia respeito à base de cálculo da contribuição previdenciária, ao invés de dirimir as discussões sobre o tema, reacendeu a polêmica, em especial acerca do terço constitucional, ao nosso ver e, como se pretende demostrar, em razão de interpretação equivocada da tese fixada.

 

A PGFN, que já havia incluído na lista de dispensa de recorrer ao Superior Tribunal de Justiça as ações que versassem sobre a inclusão dos valores pagos a título de terço constitucional na base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, alterou seu entendimento, por meio da nota PGFN/CRJ/Nº 981/2017, por entender que, nos termos do entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal, sobre qualquer verba considerada habitual incide contribuição previdenciária patronal, e passou a exigir a interposição do recurso especial de seus procuradores. Transcrevemos, a seguir, trecho da mencionada nota:

 

  1. a) em relação ao entendimento do STF, no RE nº 565.160/SC, acerca da possibilidade de incidência de contribuição previdenciária sobre ganhos habituais, notadamente, considerando o fato de a Corte Suprema ter qualificado o terço constitucional de férias como ganho habitual, entende-se que deve ser revogada a dispensa de recurso especial para o tema incidência de contribuição previdenciária a cargo do empregador quanto ao terço constitucional de férias;

 

Ocorre que, ao contrário do que entende a PGFN, o resultado do julgamento do mencionado Recurso Extraordinário nº 565.160 não determina a incidência da contribuição previdenciária patronal sobre os valores pagos a título de terço constitucional, mas reconhece que a Constituição a autorizaria, desde que a legislação infraconstitucional assim o previsse.

 

É que, embora, de fato, o pleno do e. Supremo Tribunal Federal tenha sedimentado, por unanimidade, a tese de que a expressão “folha de salários”, contida no art. 195, I, “a”[1], engloba todo e qualquer ganho habitual, consoante determina o §11 do art. 201[2], isso não significa que a contribuição previdenciária patronal deverá, obrigatoriamente, incidir sobre todas essas verbas.

 

O próprio §11 do artigo 201 da Constituição Federal autoriza que o legislador infraconstitucional regulamente as hipóteses em que os ganhos habituais serão incorporados ao salário, para efeito de contribuição previdenciária, ao dispor “nos casos e na forma da lei”. A expressão empregada não deixa margem a dúvida de que o Constituinte desenhou a amplitude da possível base de cálculo, mas deixou a cargo do legislador infraconstitucional o dever de definir, dentro deste conceito amplo, o que servirá de base de cálculo para a contribuição previdenciária patronal.

 

O §11 do artigo 201 da Constituição Federal, nessa toada, nas lições de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, citado no voto do Min. Alexandre de Moraes, apenas “(…) antecipa o que poderia ser determinado pela lei; portanto, lhe preordena o conteúdo (…) (Comentários à Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1995, 4 volume, p. 63)”.

O Min. Edson Fachin, em seu voto proferido nos autos do RE 565.160, no mesmo sentido, ressalta:

 
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;
 
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a
Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei.

“A esse respeito, veja-se que o Poder Constituinte remeteu ao âmbito legal a definição dos casos em que os ganhos habituais do empregado são incorporados ao salário para fins de contribuição previdenciária, consoante o disposto no art. 201, §11, da Constituição da República.”O Min. Luis Roberto Barroso, também em seu voto, nessa mesma linha, aponta quão descabido seria pretender limitar o campo de atuação do legislador ordinário, restringindo-se o alcance da expressão “folha de salários”. Reconhece, o Ministro, que, a partir da ampla base definida pela constituição, compete à legislação federal definir a base de cálculo do tributo. Confira-se:

A nova regra de competência da contribuição patronal, prevista no art. 195, I, a, da Constituição, não deixa dúvidas quanto à possibilidade de se incluir na base de cálculo da contribuição, além das verbas salariais, “os demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados a qualquer título.” Assim, após a mudança do texto constitucional parece ainda mais descabido pretender limitar o espaço de atuação razoável do legislador ordinário para definir a base de cálculo de tal tributo. Trata-se, como em muitos casos tributários, de uma tentativa de juridicizar uma discussão que é eminentemente de política fiscal e não de direito constitucional.

 

E, em verdade, nem poderia ser diferente. Como se sabe, a Constituição Federal não institui tributo, tampouco define sua base de cálculo ou alíquota. Conquanto todas as leis estejam subordinadas aos comandos constitucionais, somente a lei pode criar, instituir, definir base de cálculo, alterar alíquota, etc de tributos, sob pena de afronta ao princípio da legalidade, cujo fundamento é o art. 5º, II da Constituição, segundo o qual, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

No caso das contribuições previdenciárias, a lei nº 8.212/91, em seu artigo 22, no exercício da competência estabelecida pelo artigo 201, §11 da CF/1988, dentro, portanto, do amplo espectro de atuação conferido pelo Constituinte, optou por não tributar as verbas de caráter indenizatório, ainda que sejam habituais, ao dispor que a contribuição será de “vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título (…) aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma (…), quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços(…)”.

 

Em outras palavras, o legislador ordinário criou um novo requisito – além da habitualidade – para a incidência da contribuição previdenciária patronal, deixando de fora as verbas de caráter indenizatório (ainda que habituais) e, evidentemente, as verbas não habituais, estas, por expressão disposição constitucional.

 

A tese proposta pelo Min. Luís Roberto Barroso, por ocasião do julgamento do RE 565.160, que nos parece muito mais acertada daquela que foi acolhida, porque muito mais esclarecedora, não deixa qualquer margem para dúvida:

 

“o art. 22, I da Lei 8212/91 é constitucional, devendo a contribuição previdenciária do empregador incidir sobre verbas decorrentes diretamente da relação de trabalho, pagas habitualmente e em virtude da atividade laboral desenvolvida pelo trabalhador, excluídas as de claro caráter indenizatório e as pagas eventualmente por mera liberalidade”.

 

Ou, como sugeriu a Min. Cármen Lúcia: “é constitucional a base de cálculo da contribuição a cargo da empresa prevista na norma originária do art. 22, I, da Lei 8.212/1991 e nas alterações promovidas pelas Leis ns. 9.528/1997 e 9.876/1999”

 

Resta, pois, evidente que o RE 565.160 tem sido mal interpretado pela PGFN, que insiste em sustentar que a tese fixada teria tornado obsoleto o entendimento manifestado nos autos do REsp nº 1.230.957/RS, pelo Superior Tribunal de Justiça. A corroborar este equívoco interpretativo, o Min. Edson Fachin, salientou, em seu voto proferido no mencionado RE, que, uma vez definido pela Constituição Federal o campo de atuação do legislador ordinário, a análise da natureza jurídica de cada verba é matéria eminentemente infraconstitucional, mencionando os REs 745.901 e 705.941, como precedentes. A análise da natureza das verbas continua a ser critério para definição de sua inclusão ou não na base de cálculo da contribuição previdenciária patronal. In verbis:

 

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal tem se manifestado iterativamente pela infraconstitucionalidade de controvérsias relativas à definição da natureza jurídica de verba para fins de tributação, seja por contribuição previdenciária, seja por imposto de renda

E arremata:

 

Em suma, entendo que o alcance do termo “folha de salários” abarca a totalidade remuneratória paga ou creditada pela empresa em decorrência do trabalho subordinado, prestado mediante vínculo empregatício.

 

Demais, do alcance precitado não desborda o art. 22, I, da Lei 8.212/91, logo o dispositivo é constitucional nas redações originais e posteriormente dadas.

 

A reafirmação da constitucionalidade do art. 22, I da lei nº 8.212/91, em verdade, em sentido diametralmente oposto ao que vem sustentando a PGFN, reforça a impossibilidade de incidência de contribuição previdenciária patronal sobre verbas de caráter indenizatório (ainda que habituais), na medida em que reconhece a constitucionalidade do dispositivo legal que, embora restrinja a base de cálculo autorizada pela Constituição, não a ofende.

 

O resultado do julgamento do RE 565.160, na prática, em nada influenciou o entendimento que já vinha sendo adotado pelo STJ, quando decidiu, nos autos do REsp 1.230.957, julgado na sistemática dos recursos repetitivos, que não incide contribuição previdenciária sobre verbas de caráter indenizatório, nomeadamente, terço constitucional, aviso prévio indenizado e os quinze primeiros dias do auxílio doença.

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